sábado, 25 de outubro de 2014

POESIA


POESIA





SONETOS

PRIMAVERA

Num campo florido, da flor, a sina
que cor vadia inunda a sombra
o tempo brota do chão da página
como raíz que do céu se lembra

com vagares de estrela escolhe o dia
novo. Flecha de sagitário como espiga pálida
sobre as andorinhas voa a fantasia
e um sol eterno que já foi crisálida

um bater de asas espantou a lua
que bebia água junto dos pardais
na rosa pele vibram sentimentos

ninho de cegonha nos ferros da grua
água sob a ponte canta até ao cais
e a terra guarda seus melhores momentos



RENASCER

Cinza ao vento não é o fim
onde espalha raíz da história
fénix que há em mim
asa e voo da memória

minha língua na palavra gasta
saboreia o lume do seu ocaso
num romance de azimute. Basta
um verbo, um beijo sem prazo

em redor da pele, lua macia 
de Terpsicore, sinto teus olhos
na avalanche que me guia

no mar vazio anoiteceu
perdi a noite a guardar sonhos
o mundo todo aconteceu.



YANG

Dessa arte de saber ficar feliz
seco as horas como folhas para chás
música de asas de perdiz
a meus ouvidos de caçador de paz

alquimia que transforma pensamentos
na sintética pureza da verdade
filosofia de horizontes e sentimentos
espelhados na beleza da cidade

o mastro do navio não risca o céu
se riscasse o que nele escreveria
a árvore que mais alto se ergueu

e tu que lês estrelas meu irmão
o que diz a concha para a areia
o que diz o bater do coração.



ADÁGIO

Lentamente, como a Primavera
desce da montanha, folha-ante-folha
em silêncios de musgo, a espera
minguante, no momento da escolha

de cada palavra sua flor balança
exala e tinge o sol, agora
se balançar no verso é criança
vou descrever-te pela vida fora

mais lentamente ainda eu te diria
como o lago beija a sua margem
onda-a-onda dia-a-dia

o amor não seca depois do fruto
teus passos são a minha viagem
ainda que seja meu o luto.



PRESSÁGIO

Cresce em aventura a rua estreita
esquina de carvão e sombra nua
não me entende a luz tardia da lua
pousa no meu ombro e daí espreita

a noite que arrefece em minha mão
na suspeita imaterial que um sonho morre
nos meus olhos. E o silêncio escorre
por paredes, portas, janelas, e, então

no vazio mecânico do caminhar perdura
vésperas de solidão, enquanto urge
perder o norte pois que busco a cura

que só no sul do teu coração
espera por mim, e bruscamente surge
em minha frente uma imensidão.




CACTO

De frio e sorte estranha, a vida
murcha na flor do cacto. Bela,
no entanto, aceso rasto da ferida
percorre o gume de deserto a estrela

luar sem noite, tão perdida lua
adormeço cego e eis que caio em mim
se cair me ensina, aprendo enfim
a entrar na história que recua

lembro moinhos e marés que de ciúme
pelo vento, vão gemendo dores de alma
no cansaço que reinventam na batalha

lembro portas e janelas sem queixume
sem segredos na penumbra, a mesma calma
a mesma luz na mesma hora se espalha




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